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Nobel de Literatura




“Por um instante a morte soltou-se a si mesma, expandindo-se até às paredes, encheu o quarto todo e alongou-se como um fluido até à sala contígua, aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de johann sebastian bach composta em cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a nona sinfonia de beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto."

- Intermitências da Morte de José Saramago.




Eu tinha planos de postar algo completamente diferente do que estou postando. Pela manhã pensei em um conto que estava arquivado, e imaginei qual era o motivo de aindar não haver postado coisa alguma. Quando cheguei na garagem do emu prédio, determinada à postar o conto antes mesmo de almoçar, recebi uma mensagem no celular anunciando uma notícia devastadora. José Saramago faleceu hoje, neste fatídico dia de 18 de junho de 2010. Sei o quão falso pode soar eu dizer que meu coração deu um salto infeliz e se jogou de um abismo, levando consigo meu chão. Por alguns segundos fiquei parada, o joelho doendo horrívelmente e a mala escorregando pelo ombro inclinado para baixo, encarando a mensagem. Me pareceu uma brincadeira de mal gosto, vinda de alguém que não fazia esse tipo de coisas. “Saramago morreu” anunciei para minha mãe, que eu esperava desmentir o fato. No entanto, ela torceu o nariz, tão desgostosa quanto eu, abaixando a cabeça. “É, eu li na internet hoje de manhã”.

Precisei repetir algumas vezes para mim, sentar na frente do computador ligado e conectado à rede e buscar alguma notícia que me comprovasse ou desmentisse aquilo. Óbviamente, como estou fazendo este post, cheguei à conclusão de que realmente o único Nobel de literatura na língua portuguesa havia falecido. Ainda assim, precisei do dia para decidir se realmente faria alguma notificação do fato no blog.

É algo extremamente triste a partida de uma figura tão importante para o cenário literário internacional, e é claro que me interesso por fazer uma homenagem a ele. Mas a triste verdade é que não conheci Saramago. Mesmo tendo lido seus livros, nunca me sentei para tomar um café com ele e falar sobre o vai e vêm das ondas, o vai e vêm das injustiças, o vai e vêm da vida. Tudo que sei sobre ele sei porque li nas páginas brancas e desprovidas de muita da pontuação que somos obrigados a usar, sequer sabia que esse gênio ganhara seu primeiro livro de um amigo quando ele já tinha seus 18 anos até hoje, quando buscava notícias sobre o falecimento do autor. Não conheci nada sobre Saramago, conheci apenas tudo sobre ele. Conheci o que ele pensava, o que ele via, e como ele contava isso ao mundo. Fora isso, fora sua arte e sua consciência, nunca me interessei por algo mais. E portanto minha homenagem se reduz a um simples conselho: leia José Saramago.

Leia os livros que ele deixou para trás, e que não foram poucos. Leia-os com carinho, concentração e entendimento. Desprenda-se de preconceitos, ignore o que você aprendeu desde a infância, e aceite, nem que somente durante o tempo em que tiver o livro abrto diante de si, o que ele tem a dizer. Se conseguir fazer isso, estará olhando nos olhos dele e, mesmo que o homem não esteja mais entre nós, poderá discutir se quiser, pois ele deixou suas respostas impressas à tinta.



“Retrato do poeta quando jovem”


Há na memória um rio onde navegam

Os barcos da infância, em arcadas

De ramos inquietos que despregam

Sobre as águas as folhas recurvadas.


Há um bater de remos compassado

No silêncio da lisa madrugada,

Ondas brancas se afastam para o lado

Com o rumor da seda amarrotada.


Há um nascer do sol no sítio exato,

À hora que mais conta duma vida,

Um acordar dos olhos e do tacto,

Um ansiar de sede inextinguida.


Há um retrato de água e de quebranto

Que do fundo rompeu desta memória,

E tudo quanto é rio abre no canto

Que conta do retrato a velha história.


de José Saramago.



Meus mais sinceros sentimentos à família de Saramago e uma pitadinha de raiva por ele falecer, afinal, agora não haverá mais coisas novas dele para ler.



Nínive Leikis






José Saramago (1922-2010)


1 Comment:

  1. Elias said...
    Bá! Saramago, realmenti tristi, tambem não pude acreditar que ele tinha falecido =/

    Mas Nih! cade os Desventuras??
    não vai mais continuar com o Desventura.??..
    O que acontece com Sarah depois que ela adormece, na casa de diamantina??

    pilhei no desventuras... [muito trii] por favor diz que tu vai continua =/


    esperando ansioso por mais Desventuras de Tardes Tediosa!

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